Topic: Linux O filósofo da tecnologia L. Winner escreveu, no final do século passado, que os artefatos tecnológicos refletem decisões políticas e sociais. Qualquer cidadão interessado em democracia extremada deve lutar pelo maior espalhamento possível de conhecimento e acesso. Tudo isso está sintetizado no ideário do software livre, que, guardadas as proporções, tornou-se a mais nova palavra de ordem dos chamados hackers do capitalismo.
Software livre refere-se a liberdade de os usuários executarem, copiarem, distribuírem, estudarem, modificarem e aperfeiçoarem um certo programa de computador. Está calcado em quatro tipos de liberdades: a liberdade de executar o programa; a liberdade de estudar como o programa funciona, e adaptá-lo para as suas necessidades; a liberdade de redistribuir cópias de modo que você possa ajudar ao seu próximo; a liberdade de aperfeiçoar o programa, e liberar os seus aperfeiçoamentos, de modo que toda a comunidade se beneficie. Estes conceitos estão, cada vez mais, penetrando nas decisões da sociedade da informação. É uma tendência inexorável.
O Linux, então, está na boca do povo. Mas o que isso significa? É um avanço. Não apenas do ponto de vista tecnológico. O grande diferencial está no modo de produção. Foi criado pela colaboração entre pessoas comuns. Envolveu centenas de programadores espalhados pelo mundo. Linus Torvalds, um universitário finlandês, queria construir um sistema operacional para rodar no seu computador. Ele sabia que os melhores 'hacks' começam como soluções pessoais para os problemas diários. Linus Torvalds estava iluminado quando disponibilizou seus rascunhos na rede. "Release early and release often" passou a ser um indicador do modo de produção colaborativo. Centenas de milhares de pessoas aderiram ao Linux. O resto fica para a História.
O Linux é subversivo, pois transforma a estrutura imposta pela revolução industrial. Na era da Internet, desponta como o primeiro produto idealizado e concebido pela sociedade da informação. A distinção do Linux frente ao modelo comercial dominante de software, caracterizado pelos produtos da Microsoft, é antes de tudo sua abertura. Mas a grande inovação do Linux, ao contrário do que muita gente pensa, não está no aspecto técnico e sim no social. Compartilhar informações e conhecimento foi o que permitiu a maioria dos grandes avanços da ciência.
Do mesmo modo que pesquisadores científicos permitem a todos os demais em seus campos de estudo, examinar e utilizar suas descobertas, para serem testadas e desenvolvidas além do ponto em que se encontram, os participantes do projeto Linux permitem a todos os demais utilizar, testar e desenvolver seus programas. Isso é conhecido como ética cientifica. Na programação, ela recebe o nome de código-fonte aberto, ou open source.
No limite da ruptura dos paradigmas, a colaboração aparece como um potencializador das energias produtivas. Este paradigma foi quebrado pela idealização do Linux e de outros projetos de código livre. A sociedade está se tornando mais aberta e de uma forma ampla, mais colaborativa.
O Software Livre é simplesmente o caso mais conhecido, e que teve mais impacto, de uma nova dinâmica que demonstra a produção de conhecimento livre como alternativa economicamente viável e sustentável. O código aberto está trazendo para a inovação o que a linha de montagem trouxe para a produção em massa. Estamos chegando numa era onde a colaboração substituirá a corporação. Uma opção pela descentralização do poder catalisado pelas conversações de uma sociedade em rede.
As pessoas não querem mais ser telespectadores. Elas têm a possibilidade de interagirem com as comunidades na Internet e, assim, protagonizarem as próprias existências. Buscando na comunidade digital os interesses comuns. Logo, o modelo aberto não é uma invenção alucinada de um nerd finlandês. É um conceito há muito conhecido e considerado como uma alternativa para o crescimento colaborativo.
Acredito que a verdadeira revolução está na base da pirâmide de gelo. A conversação da rede é muito mais do que apenas discussão e bate papo. Alguns produtos, assim como o software livre, estão sendo criados nestes debates sem fim. Esses produtos são intangíveis e, muitas vezes, invisíveis pelos incautos. A colaboração incrementa, de fato, as inteligências latentes. A informação passou a ser livre.
A estratégia inteligente para o Brasil está em provocar a catalisação das inteligências, de forma descentralizada. Através da integração e interatividade impulsionada pela Internet. Comunidades desenvolvendo seus conteúdos de baixo para cima e para os lados. Pessoas recriando suas próprias vozes.
Ainda não temos respostas para as transformações que estão ocorrendo através da Web. Não há consenso para questões como privacidade, pornografia e, principalmente, propriedade intelectual. Respostas não vêm pela imposição de leis, ou por um código moral sem propósito. As respostas são frutos do bom senso.
Bom senso significa o estabelecimento de valores e regras que, por serem óbvias, ninguém presta muita atenção. Regras, consensos e referências estão mudando muito velozmente. Assim como a conquista do poder pelos consumidores digitais não era objeto do bom senso antes do aparecimento da Web, hoje desponta como um dos principais valores da nova economia. O bom senso está em efervescente mutação. Ainda tem muita coisa para acontecer, mas já podemos vislumbrar alguns sinais:
Reputação. Nossas idéias, pensamentos, atos, profissionalismo e amadorismo devem ser coerentes com a verdade que publicamente transmitimos. A reputação está intimamente ligada a ética. E principalmente, com a ética hacker. E tem como resultante a validação do conhecimento dentro das comunidades.
O conteúdo deve ser livre. O Napster é um bom exemplo. Quarenta milhões de pessoas se cadastraram, estabelecendo o senso que o conteúdo da rede deveria ser livre. Pelo menos era isto que estas pessoas procuravam no Napster. Música livre e um enfoque alternativo para lidar com os direitos autorais. Software livre é outro exemplo desta nova ordem.
Estranhos são bons. A troca de informações na rede se dá através do relacionamento entre estranhos. Podemos afirmar que os principais valores da Web vêm de pessoas estranhas.
Errar é humano. Na Internet não temos muito tempo para manter uma certa consistência. Temos que agir rápido, e errar não trazem muitos problemas. Bola pra frente!
Dividir o conhecimento. Freqüentemente somos interrompidos algumas vezes para dar informações. Muitas vezes fazemos isto a contragosto. Mas, na Web, o novo bom senso é dividir conhecimento, softwares, informações, e as nossas músicas preferidas.
Faça humor, não faça guerra. A falta de bom humor é patológica. Com humor podemos criar diferentes contextos com rapidez. E, mais importante, a carência de humor leva a uma seriedade egocêntrica que não acrescenta valores ao dinamismo da Web.
Revolução é bem vinda. A sociedade é conservadora por natureza. Na Internet respiramos revolução. Enquanto no mundo real não queremos mexer em nada, na Web estamos ansiosos por mudanças, e cada vez com mais velocidade. O medo da revolução continua habitando fora das fronteiras virtuais. A sociedade virtual aceitou os "novos bons sensos" sem um debate profundo. Estamos rompendo as amarras sem muita discussão. A revolução é um novo bom senso.
A colaboração é a novidade da sociedade da informação. É por isto que neste momento, em que o debate sobre a cidadania se coloca como prioritário, o software livre surge como uma questão de grande interesse público. Mais do que uma ferramenta ou uma metodologia, e quando falamos no software livre, falamos em ética.
A sociedade vive numa eterna evolução. A era industrial já está enterrada. O sistema caducou deixando espaço para novas idéias e conceitos. Estamos na era do conhecimento. Uma sociedade baseada no fluxo das informações, e não mais na quantidade de bens produzidos.
Neste cenário um novo sistema começou a florescer. Valendo-se da utilização da tecnologia, os hackers estão moldando um novo contrato social. No jargão, a ética hacker significa a crença em que o compartilhamento da informação é um poderoso e positivo bem. Na prática, isto significa um dever ético de trabalhar sob um sistema aberto de desenvolvimento, no qual cada um disponibiliza a sua criação para outros usarem, testarem e continuarem o desenvolvimento. Para Pekka Himanen, os argumentos éticos do modelo hacker são os mais importantes. O aspecto mais interessante da ética dos hackers é se opor à velha ética protestante. Uma relação mais livre é também necessária na economia informal cuja base principal é a criatividade. Os hackers são os artesãos da tecnologia.
Podemos adicionar aos nossos argumentos éticos que a paixão e a maneira livre dos hackers apontam no sentido da permissividade para "brincar" e permitir que o trabalho seja feito de acordo com o ritmo de cada um. Podemos também dizer que o modelo aberto não só é justificado pela ética como também é muito poderoso na prática.
A ética hacker passa a ser fundamental no desenvolvimento do novo sistema, ou melhor, está sustentando a revolução digital. Assim como a ética protestante deu vazão ao sonho industrial. A sociedade do conhecimento assimila esta ruptura e apresenta uma proposta inspirada na filosofia hacker.
Esta cultura já estendeu seus tentáculos no seio do capitalismo. Assim como os hackers on-line têm que buscar novas maneiras para garantir o funcionamento das redes, as pessoas buscam novas formas para garantir a própria sobrevivência.
O desenvolvimento da tecnologia caminha para o enriquecimento cultural. A tecnologia diminui espaços e aproxima as pessoas. A informação se tornou abundante. A internet é um meio fantástico de interatividade. Pois como sempre digo: internet não tem a ver com computadores. Tem a ver com pessoas.
A rede livre pode ser muito útil para a diminuição da infoexclusão. Bem como, dar mais qualidade às conexões de escolas e de espaços de convivência. Bem, como fazer tudo isso funcionar vai depender de ajustes técnicos. E burocráticos. Uma pressão política em cima dos provedores de acesso para liberar banda para projetos alternativos deve ser bem negociada. O importante é saber que não se trata de um debate infrutífero. Estamos falando de como a tecnologia pode e deve alcançar os corações solitários.
Tudo isso é o pano de fundo desta revolução. É o arcabouço estrutural que ajuda catalisar a conversação na rede. Para mim o importante é utilizar toda essa algazarra tecnológica para permitir que a informação flutue.
E isso está acontecendo no Brasil. Não através de um ufanismo babaquara. E sim, pelo fato do Brasil estar debatendo em suas veias cibernéticas novos rumos, novas idéias para uma evolução cultural. A rede é esperta. As pessoas conversam, trocam mais do que informações. Palavras que cativam o espírito e brindam as inteligências. As comunidades tupiniquins estão em alerta. Falando em português e deliberando as novidades desta revolução não televisionada.
Autor: Hernani Dimantas
Fonte: Itaú Cultural
Fonte: Comitê de Incentivo à produção do Software GNU e Alternativo
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